Senado cassa mandato de Demóstenes Torres, que recorreu até a
Jesus Cristo em sua defesa
O Senado cassou nesta quarta-feira (11) o mandato de
Demóstenes Torres
(ex-DEM-GO, atualmente sem partido) por quebra de decoro parlamentar. A
cassação veio pouco mais de quatro meses após a prisão do contraventor
Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, em uma operação da Polícia
Federal que investigou as relações do bicheiro com vários políticos,
policiais e empresários.
Não acabem com minha vida!
Demóstenes Torres, ao discursar antes de ter seu mandato cassado
Sessão de cassação
A sessão do Senado que culminou na cassação começou às 10h10 desta
quarta-feira. O primeiro a discursar na tribuna foi o senador Humberto
Costa (PT-PE), que foi relator do caso no Conselho de Ética e encaminhou
seu parecer pela cassação de Demóstenes. Depois dele, falou senador
Pedro Taques (PDT-MT), que foi relator na CCJ (Comissão de Constituição e
Justiça do Senado). Após a fala dos dois, discursaram os demais
parlamentares que se inscreverem, começando pelo senador Mário Couto
(PSDB-PA).
Em sua defesa, tanto Demóstenes quanto seu advogado criticaram a
imprensa e afirmaram que o agora ex-senador foi vítima de um massacre
público. "Hoje cai o rei de espadas, cai o rei de ouros, cai o rei de
paus, não fica nada", disse Demóstenes Torres (ex-DEM-GO), lembrando
Ivan Lins, ao falar na tribuna do Senado nesta quarta-feira (11). O
parlamentar se comparou a Jesus Cristo, disse que foi perseguido como
"um cão sarnento" e afirmou que a Casa praticaria política de dois pesos
e duas medidas se o cassar, já que sua situação é similar à do relator
de seu processo, Humberto Costa (PT-SE).
Em seu discurso, Demóstenes lembrou que o relator de seu caso no
Conselho de Ética, Humberto Costa (PT-PE), foi acusado de envolvimento
na máfia dos Sanguessugas –esquema de liberação de emendas para a compra
superfaturada de ambulâncias– quando era ministro da Saúde.
Demóstenes iniciou publicamente sua defesa no dia 2 de julho. O então
senador foi quase diariamente à tribuna do plenário do Senado expor seus
argumentos, enfatizando sobretudo que o processo contra ele baseou-se
em escutas ilegais. Entre outras frases de efeito, Demóstenes disse que
mentir não configura quebra de decoro. "Se o parlamentar mentir, é um
problema dele com sua consciência e sua audiência, não com o decoro.
Aliás, nada do que o parlamentar diz da tribuna pode ser quebra de
decoro", afirmou no discurso do último dia 9.
Baluarte da ética
Procurador de Justiça, professor universitário, jornalista, advogado,
presidente do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça,
secretário de Segurança Pública e Justiça de Goiás, senador, líder de
partido e, finalmente, suspeito de ser membro de um esquema de corrupção
ligado ao jogo. A trajetória de Demóstenes Torres foi meteórica.
Oposicionistas o consideravam um bom candidato a vice-presidente em
2014. Governistas o respeitavam. Hoje, ele deixa a arena política pelos
mesmos vícios que já apontou em colegas que nunca se afastaram do poder.
Aos 51 anos de idade, era também presidente da Comissão de Constituição e
Justiça do Senado – a mais importante da Casa. Participou da formulação
do novo Código Penal e foi um dos mais incisivos parlamentares a cobrar
investigações sobre seus colegas José Sarney (PMDB-AP), Renan Calheiros
(PMDB-AL), entre outros. Elegeu-se pela primeira vez apenas em 2002,
pelo PFL (atual DEM). Tentou o governo de Goiás em 2006, mas acabou com
apenas 3,5% dos votos na eleição vencida por Alcides Rodrigues (PP),
aliado de seu maior rival político, o atual governador Marconi Perillo
(PSDB). Foi reeleito senador em 2010 pelo DEM.
Nas propostas legislativas, era um dos senadores mais produtivos da
Casa: apresentou mais de mil projetos. Foi várias vezes incluído na
lista de "Cabeças do Congresso" pelo Departamento Intersindical de
Assessoria Parlamentar (Diap). A revista “Época” chegou a elegê-lo, em
2009, como uma das cem maiores personalidades do país. O site Congresso
em Foco, com base em entrevistas de jornalistas, o colocou como o oitavo
melhor parlamentar de 2011, somando todos os senadores e deputados
federais. Era, junto do presidente do DEM, senador José Agripino Maia
(RN), a principal figura do partido oposicionista, até que pediu
desfiliação da sigla, em abril, acusando o partido de ter feito um
pré-julgamento sobre seu caso.
Nas últimas eleições, declarou um patrimônio modesto à Justiça
Eleitoral: R$ 374,9 mil em seis bens (duas aplicações, duas contas
bancárias, um carro Captiva Sport ano 2009 e uma participação societária
no valor de R$ 200 mil).
Polêmicas de Demóstenes
Em seu primeiro mandato no Senado, o senador se disse vítima de um
grampo ilegal em 2008 que teria flagrado uma conversa dele com o então
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. O grampo,
relacionado à Operação Satiagraha da Polícia Federal, nunca foi
confirmado. Um ano antes, acusou o peemedebista Renan de estar "em um
chiqueiro" após denúncias de que o senador pagava pensão a uma amante
com dinheiro de um lobista de empreiteira.
Em 2009, pediu que Sarney renunciasse à presidência do Senado em meio às
suspeitas de que o ex-presidente tivesse feito tráfico de influência no
cargo e sido complacente com corrupção em sua gestão. Chamou Perillo,
ex-colega de Casa, de "mentiroso" e "ladrão". Também sugeriu a saída do
Conselho de Ética do Senado ao suplente de suplente Paulo Duque
(PMDB-RJ), que arquivou uma série de representações contra Sarney.
Apesar de vários senadores já terem protagonizado denúncias de quebra de
decoro parlamentar, a cassação de Demóstenes é apenas a segunda do
Senado brasileiro – antes dele, apenas Luiz Estevão (DF) foi cassado, em
2000, e perdeu os direitos políticos até 2014. Em outras quatro
ocasiões, processos que tramitaram no conselho levaram à renúncia de
senadores – três deles eram presidentes do Senado. A maior parte das
denúncias, no entanto, foram arquivadas.
Quatro meses de investigações
A saga que levou à cassação de Demóstenes começou no final de fevereiro,
quando o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira foi
preso pela Polícia Federal sob acusação de exploração de jogos ilegais. O
bicheiro ficou conhecido em 2004 após divulgação de vídeo que o flagrou
oferecendo propina a Waldomiro Diniz, ex-assessor de José Dirceu.