SERRA RESSUSCITA PARA O DEBATE, MAS BRIGA COM FATOS
Depois de submergir, após ser derrotado por Fernando Haddad, em São Paulo, o ex-governador tucano José Serra se manifesta pela primeira vez, publicando um artigo no Estado de S. Paulo sobre a “desindustrialização” brasileira, muito embora o país seja hoje um dos grandes polos globais de produção de caminhões, automóveis e máquinas agrícolas; além disso, ele critica ainda “juros extravagantes” e a “herança maldita” de Lula
Depois de um longo inverno, o tucano José Serra está de volta. Na sua primeira manifestação pública, após ser derrotado por Fernando Haddad, do PT, na disputa municipal em São Paulo, ele publica artigo, nesta quinta, no Estado de S. Paulo sobre a “desindustrialização brasileira”. Embora o artigo se chame “Nada além dos fatos”, ele volta à cena, brigando com os fatos e com a realidade.
Ao falar sobre o decênio 2002-2012, Serra afirma que a indústria perdeu participação no PIB, mas não porque tenha produzido menos – apenas porque cresceu menos do que outros segmentos da economia, especialmente o setor de serviços, como acontece em várias partes do mundo. Embora pinte um retrato desastroso, Serra não comenta que o Brasil se tornou um dos maiores polos para a produção de automóveis e caminhões do mundo. A Fiat, por exemplo, já é maior no Brasil do que na Itália e o mesmo ocorre com a MAN, antiga Volks Caminhões.
O político tucano critica ainda os “juros extravagantes” da era Lula (como se o brasileiro não tivesse memória em relação ao que havia antes) e fala da “herança maldita” deixada pelo ex-presidente petista. Por fim, ele fala do elevado Custo Brasil sem reconhecer méritos, em Dilma Rousseff, pelo corte dos juros e das tarifas de energia elétrica. Leia abaixo:
Nada além dos fatos
JOSÉ, SERRA, EX-GOVERNADOR, EX-PREFEITO , DE SÃO PAULO, JOSÉ, SERRA, EX-GOVERNADOR, EX-PREFEITO , DE SÃO PAULO - O Estado de S.Paulo
Ao retomar esta coluna, volto a um tema recorrente em meus artigos anteriores: a desindustrialização brasileira. Ela se reflete no encolhimento da participação da indústria de transformação na economia, tendência que remonta à época da superinflação dos anos 1980, mas sofreu um puxão para baixo no decênio 2002-2012, quando o PIB cresceu mais que o dobro da indústria: 42% ante 20,5%, respectivamente. Isso fez a fatia do setor no PIB (preços correntes) voltar ao nível de 1947-48, chegando a 13,3%. Pior foi o último quadriênio, pois em 2012 a produção de manufaturas foi inferior à de 2008.
Em todo caso, desindustrialização não exige, necessariamente, queda absoluta do setor, mas, sim, perda do seu poder como eixo dinâmico da economia. Ameaça-se a maior conquista econômica brasileira no século 20.
Atenção: o caso do Brasil não pode ser equiparado ao de países desenvolvidos, onde a indústria perdeu peso em razão da elevada renda média por habitante, que chega a ser quatro vezes superior à nossa. Neles, a partir de determinadas etapas do crescimento da renda, a expansão da demanda por serviços se acelerou em relação à de alimentos e manufaturas. Essa perda de peso, naquele caso, pode ser considerada natural e até benigna. No nosso, uma doença.
Nada contra a brilhante expansão da produção e da exportação de bens agrominerais. Mas alguém acredita, e demonstra, que, além do papel estratégico na geração de divisas, esse setor poderia tornar-se o eixo dinâmico de um país continental, de 200 milhões de habitantes? Não me parece, igualmente, que esse eixo possa ser formado pelos setores financeiro, de biotecnologia, de tecnologia digital, etc., atividades de maior eficiência na área de serviços e essenciais para o progresso econômico, mas que geram poucos empregos.
A indústria é o macrossetor que gera, na média, os melhores empregos, paga os melhores salários e cuja produtividade é a mais alta. É o que mais inova e tem os maiores efeitos de encadeamento para trás (insumos correntes e de capital), para a frente (comércio), de demanda final (massa salarial) e fiscal (mais arrecada). É o macrossetor que lidera o processo em todas as economias que cresceram mais rapidamente nas últimas décadas.
O retrocesso industrial comprometeu a qualidade dos empregos gerados. De 2003 a 2012, entre os trabalhadores com carteira assinada e que ganham acima de dois salários mínimos, o número de pessoas demitidas superou amplamente o de contratadas. Entre 2009 e 2012, esse saldo negativo ultrapassou 1,3 milhão de pessoas. O crescimento do emprego concentrou-se nas faixas abaixo de dois mínimos, liderado pelo setor de serviços.
Desde logo, não há no Brasil nenhuma desaceleração do consumo de bens industriais. Entre janeiro de 2004 e meados de 2012, o volume de vendas no varejo mais do que duplicou, num ritmo cinco vezes maior que o do produto manufatureiro! A brecha foi aberta e coberta pelas importações: o superávit comercial da indústria, US$ 30 bilhões em 2005, virou déficit de US$ 50 bilhões em 2012. Dá para compreender por que o Brasil, apesar da bendição dos preços recordes das commodities, caminha para reavivar o desequilíbrio externo: o déficit em conta corrente acumulado no último quinquênio foi de US$ 206 bilhões.
No centro da débâcle está a perda de competitividade da indústria em razão de fatores que estão fora das fábricas: o aumento do custo Brasil e a sobrevalorização da moeda, que reduzem o preço relativo das importações e encarecem as exportações. Criou-se um círculo vicioso, pois o setor foi sofrendo quebras de cadeias produtivas, atrofias e perdas de mercados externos. Novos investimentos foram intimidados pela competição dos importados, efetiva ou potencial. Empresários industriais tornaram-se importadores qualificados e não poucos investem no exterior, à procura de custos menores e acesso a mercados.
O elevado custo Brasil começa na burocracia para pagar impostos, que consome o equivalente a 2,6% dos preços industriais! Com a carga tributária, o conjunto vai a 15,5%, em relação aos nossos parceiros comerciais. Se incluirmos os custos financeiros, de energia, matérias-primas e transportes, o ônus sobre os produtos manufaturados, na comparação com esses parceiros, é de 25%, segundo competente estudo da Fiesp. É o custo Brasil. Em cima disso, a sobrevalorização cambial teve um papel especialmente perverso: em relação a 2002, ficou em torno dos 40%, puxada por juros reais extravagantes, que só recuaram em 2012.
Dada a herança maldita de Lula, o governo tem procurado uma resposta. Infelizmente, navega entre equívocos, ilusões e inépcia. No acerto, a redução dos juros. Nos equívocos, há os caudalosos subsídios fiscais via BNDES sem critérios coerentes de competitividade, tecnologia, complementaridade e atração de investimentos estrangeiros estratégicos. Na inépcia, há a incapacidade para planejar e executar os investimentos públicos e a demora nas parcerias fundamentais com o setor privado. Na ilusão, a ideia de que ações protecionistas aqui e ali vão dar conta das questões essenciais.
Nada exemplifica melhor a falta de uma estratégia industrial do que a ausência de qualquer política de comércio exterior digna do nome. Ficamos apegados ao que causa mais estorvo, o Mercosul, com sua absurda união alfandegária, que nos obriga a atuar em bloco nos acordos comerciais. Devido a isso e à pasmaceira, há mais de dez anos não assinamos nenhum tratado bilateral de comércio, com exceção de um com Israel. Ah, sim, há dois mais, que não entraram em vigência: com o Egito e com a Palestina.
Em economia, democracias afora, os governantes costumam se mostrar otimistas, apesar dos erros, e as oposições, pessimistas, apesar dos acertos. No governo ou na oposição, sempre procurei ser realista, apesar de acertos e erros. A desindustrialização do País, com suas consequências nefastas no médio e no longo prazos, é matéria de fato, não de gosto. Basta que chamemos a coisa pelo nome que ela tem.
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