Páginas

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Aborto de anencéfalos: a causa correta, no lugar errado


Dar a opção à família de interromper a gravidez quando a medicina não vislumbra vida fora do útero é louvável. Mais uma vez, contudo, o STF extrapolou suas atribuições e se pôs no lugar do Legislativo

Jones Rossi
Plenário do STF: por 8 a 2, ministros liberam aborto de anencéfalos
Plenário do STF: por 8 a 2, ministros liberam aborto de anencéfalos (Nelson Jr./SCO/STF)
A decisão é louvável se interpretada como uma defesa da dignidade humana e como uma ampliação dos casos permitidos de aborto - aqueles para os quais a medicina não vislumbra vida fora do útero
Por 8 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal decidiu liberar o aborto de anencéfalos nesta quinta-feira. A causa é boa e a sentença era esperada. Desde 2004, quando o ministro Marco Aurélio Mello concedeu a primeira liminar autorizando o aborto de um feto anencéfalo, todas as vezes que casos do tipo chegaram à corte a decisão foi igual. Por meio desse julgamento, contudo, o STF mais uma vez extrapolou de suas funções e se pôs no lugar do Legislativo – como aliás tem feito com frequência nos últimos anos, em relação aos temas mais variados.
Como observou acertadamente o ministro Ricardo Lewandovski em seu voto dissidente,  "continua em vigor o texto da legislação penal que não admite com clareza o chamado aborto terapêutico". Isso significa que não existe no ordenamento jurídico um tipo legal para o aborto de fetos inviáveis do ponto de vista médico. E foi isso que o Supremo fez: criou esse tipo legal, tomando para si o papel que deveria ser do Congresso.
O Código Penal, promulgado em 1940, autoriza o aborto em apenas dois casos: se a gravidez resulta de estupro ou não existe outro meio de salvar a vida da gestante. A gestação de anencéfalos traz mais riscos para a mãe que uma gestação "normal" — mas só em certos casos é necessário interrompê-la para salvar a vida da mulher. 

É, porém, um avanço permitir que mulheres que estão numa situação dilacerante – quer do ponto de vista emocional, quer do ponto de vista moral – tenham direito de escolha, sempre devidamente assistidas por médicos. Defender essa liberdade não equivale a ser contra a vida, como sustentam os adversários mais ferrenhos da proposta. Ministros como Marco Aurélio Mello e Luiz Fux acertaram ao observar, em seus votos, que interromper a gestação de uma criança que não carrega as estruturas neurológicas necessárias à vida protege, em certas circunstâncias, a dignidade da mãe, da família e do próprio feto.
Dar essa opção à família – é importante reafirmar que se trata de dar uma faculdade às pessoas, e não de lhes impor uma escolha – atende a um princípio que, tanto quanto a defesa da vida,  também é central na Constituição brasileira, o da dignidade humana. 

Liberdade - A decisão do STF é louvável se interpretada como uma defesa da dignidade humana e como uma ampliação dos casos permitidos de aborto - aqueles para os quais a medicina não vislumbra vida fora do útero. Diferente disso é o “direito à autonomia reprodutiva” de que fala a ministra Rosa Weber. Essa é uma causa mais extremada, que sustenta que a mãe deve ter liberdade plena para encerrar uma gravidez. Isso dá margem ao aborto realizado por quaisquer motivos, dos mais fúteis aos mais justificáveis. 

Mais que um ponto final na discussão, a decisão do Supremo nesta quinta-feira deve servir de estímulo para que o Congresso formule uma legislação sem ambiguidades, límpida, capaz de dar à família e aos médicos a possibilidade de terminar uma gravidez que nunca vai levar a uma vida viável.

Nenhum comentário: